O luto no aborto espontâneo - Considerações sobre Psicologia Parental
Importante, antes de iniciar nossa conversa, esclarecer que esse contexto abraça casais que engravidam juntos, em gestação planejada ou não e, que passam por processo de aborto espontâneo.
Quando uma mulher deseja engravidar, ela direciona suas emoções, pensamentos e objetivos para esse caminho e, junto ao seu parceiro, alimentam expectativas, das mais diversas possíveis. O processo de engravidar inesperadamente também gera alterações importantes na psicologia feminina e masculina e, mesmo que seja planejado, desejado ou não, após a gravidez confirmada novas conexões se constroem no universo do casal.
O cuidado pré-natal, o vínculo afetivo, o apego emocional, as influências sociais e as esperanças depositadas na gestação normalmente predominam no decorrer do processo de gravidez, apesar do medo, ansiedade e fantasias relacionadas a aborto espontâneo fazerem parte da maioria do imaginário das mulheres grávidas.
Quando acontece um aborto espontâneo (nos referimos a aborto espontâneo àquele em que a gravidez é interrompida de forma involuntária antes da 20ª semana de gestação, cerca de 5 meses) a dor emocional é inevitável no casal, mas a ferida psicológica tende a se estender por mais tempo nas mães. Independente dos motivos do aborto, é normal que as mães passem por um processo de luto, onde oscilam entre o sentimento de perda, vazio, impotência, culpa, mágoas, solidão, tristeza. Quando o luto não é respeitado, tratado e superado, pode tornar-se patológico, incluindo quadros de ansiedade generalizada, depressão, síndrome do pânico, medo de engravidar novamente, insônia, pseudociese para mulheres com dificuldade de engravidar. O processo de luto parental no aborto espontâneo pode incluir em casos mais complexos até mesmo o fim do relacionamento, por causas multifatoriais relacionadas ao contexto.
Quando os casais já têm filhos, os pais tendem a manter um posicionamento mais esperançoso e compassivo diante da dor emocional experimentada, até para transmitirem um sentimento mais sereno aos filhos que perderam o irmãozinho (a) que chegaria. Normalmente as crianças menores tem mais facilidade em compreender a situação, enquanto os maiores se preocupam com o bem estar dos pais.
Sobre a rede de apoio durante uma experiência de aborto espontâneo, mães, irmãos, tias/tios, sogras/sogros, amigas/amigos, pais devem evitar conversas invasivas junto aos pais, como a busca das causas do aborto e até os culpados, bem como as falsas ideias de consolo como dizer que logo, logo farão outro bebê e tudo ficará bem. Isso em nada ajuda os pais e pode surtir efeito psicossomático que acentua o pesar.
De toda forma, o processo do luto deve cumprir todas as suas fases, desde a negação inicial da perda até a aceitação de que aquele bebê não está mais presente. Isso não desvincula o amor e afeição que serão mantidos pelo bebê que se foi , ao contrário do que muitos pais sentem, mas considera a realidade experimentada. A maturidade parental deve ser incentivada e a educação para a gestação deve incluir a busca da saúde emocional (em nível de compreensão pelo menos minimamente aceitável) para que essa tempestade seja menos destrutiva quanto for possível.
Dentro dessa perspectiva, os pais também devem considerar a saúde mental e equilíbrio emocional como precursores de uma melhora importante na capacidade para lidar com a perda gestacional de forma menos traumática. Apesar de soar romântico e sincero, não é mentalmente e emocionalmente saudável quando uma mãe ou pai afirmam, por exemplo: "Meu filho (a) é a minha vida", ou "Meu filho (a) é a razão da minha felicidade". Não se deve delegar a alguém, por mais amor e apego que se tenha, aquilo que fundamentalmente é individual, de fato.
O aborto espontâneo dói, machuca e deixa cicatrizes emocionais profundas. Quando acontece de forma repetida ainda é mais delicado de ser refletido como um processo muita vezes natural do organismo. Isso deve ser respeitado e tratado, mas não deve bloquear de forma permanente que os pais vivam uma nova gestação quando não há impedimentos.
Cada gravidez é única, cada maternidade e paternidade é única. O essencial no processo do luto por aborto espontâneo é o acolhimento, a escuta ativa, o afeto, a partilha de esperança e consolo para que a dor seja acalentada pelo amor, e que o silêncio e o vazio que parecem imensidão possam diminuir aos poucos com a contemplação de que a vida é, em si mesma, passeio de felicidade.
Maxwellma Castelo Branco
Escrita inspirada em experiência pessoal e nos livros:
Maternidade Interrompida - Maria Manuela Pontes
Luto Materno e Psicoterapia Breve - Neli Klix Freitas
Apesar da experiência dolorida, seu texto é motivacional pra demais pessoas que passam ou passaram por esse momento de perda e mta dor. Maxwellma, sempre com as palavras certas.
ResponderExcluirGratidão Cley!
ExcluirUma leitura leve e esclarecedora..
ResponderExcluirAmei. 💌
Obrigada Laiane! E a vida leve é mais fácil de ser sentida. Beijos!
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