Maternidade & Mercado de Trabalho & o que eu sempre quis dizer para meus chefes
Eu já ia sair
para o trabalho mas, quando o leite ferveu e derramou sobre o fogão limpinho, eu
chiei e, a mão, que antes apoiava minha sonolência, escorregou do queixo, como
uma queda proposital na secura da realidade, como se minha mão e o leite estivessem
em cumplicidade com a pressa que eu tentei ignorar.
Agora, vou ter
que fazer o caminho inverso e esfriar todo o leite até amornar. Vai demorar
mais. Defendo que seja preciso incluir na jornada materna, o registro oficial
de passos para trás como passos para frente. Entendem? Sei que sim.
Meu caçula, um
dia desses, queimou a boca com café e leite quente. Toda vez, agora, antes de
beber ele me olha com aquele jeito de quem perdeu alguma parte da confiança de
nascença que os filhos têm nas mães. É a vida, filho.
Mas voltando
ao assunto do trabalho, já tive vários tipos de chefes. Vou citar apenas
alguns. Tive um chefe que chegava bem cedo, por que se dizia disciplinado e
produtivo. Era um senhor que se gabava quase naturalmente da estima que achava
que tinha dos clientes. Ele cheirava àqueles perfumes em forma de charuto. Nos
mostrava todo o tempo como deveríamos ser eficientes, elogiando sua esposa, que
programava o dia da babá, da cozinheira e então, saía atrasada para o salão de
beleza, mas sempre ia, por que, como ele dizia, era uma mulher cheia de
autoestima.
Tive uma chefe que sempre tinha problemas com o namorado e descontava suas brigas e
frustrações em todos os nossos colegas homens, toda segunda-feira era uma implicância nova. Um dia, soubemos que ela estava
saindo com o Diretor do setor de Informática, do andar de cima. Foram vários
meses de paz, empatia, sorriso, tolerância. Eu juro que a ouvi cantarolando
“Whisky-a-go-go” algumas vezes. Ela acabou saindo da empresa quando se casou com
ele e está feliz. Ouvimos boatos de que passa bem, lava, cozinha e leva as
crianças para escola também.
Tive um chefe
muito religioso, que carregava consigo um terço no bolso direito
da calça. Dava para ver parte do terço com Cristo crucificado balançando para
lá e para cá o dia inteiro. Uma vez, quando pedi antecipação de férias para
tratar de coisas dos meus filhos, ele disse que eu deveria ser mais
profissional e saber lidar com minhas questões domésticas de uma maneira mais
produtiva.
A chefe mais
amável que tive o prazer de conhecer, escrevia cartinhas para cada membro da
equipe todo final de ano. Nas cartas, ela dizia com franqueza pontos fortes e
fracos na nossa jornada profissional, e sempre finalizava nos acarinhando com
palavras de motivação e consolo, como se o fato de ser humano e estar vivo
fosse uma razão indiscutível de ser melhor a cada dia. Há pouco tempo tivemos
contato, ela venceu um câncer raro com a mesma verdade e simplicidade de viver
com que escrevia nossas cartas.
Nunca fui de
fazer barraco, mas depois que virei mãe, se precisar, faço. Como não tenho
muita experiência, sempre choro e o barraco acaba virando drama. Novela mesmo.
Não me arrependo não, algumas vezes, sim. Mas à medida que perdemos a hora, vamos vendo que de nada adianta a raiva depois
que o leite derrama, não é? O jeito é virar crescimento, maturidade. E sigo.
Tenho mais de
20 anos de mercado de trabalho e passei por diferentes tipos de ofício, sem
contar as diárias que mamãe, minha primeira chefa, nunca me remunerou devidamente
(pelo menos como eu esperava). Desde os meus 8 anos, ela me dava a missão de
limpar (sem quebrar) todo os mini- cisnes, bailarinas, anjinhos e louças de
porcelana que enfeitavam a estante dos anos 80. Tenho fotos.
No decorrer da
vida profissional, tive três filhos e, sempre tive vontade de dizer muitas
coisas aos meus chefes quando minha “mãe selvagem” urrava por espaço de ser dentro
do ambiente de trabalho e quando minha feminilidade reclamava seu espaço de
gerar, acuada no cotidiano dos chefes “filhos” alheios. As coisas que eu
pensava em dizer envolviam palavrões, rancor, discursos que poderiam ser
rotulados de “feministas” e talvez até sermões de uma mãe emocionada e muitas
vezes negligenciada, por que não?
Mas hoje,
tenho exercitado a linguagem materna do fazer. Que meu fazer fale por mim. Digo,
o meu fazer aprendeu mais do que as palavras que eu poderia usar. Faço discursos longos, quando em silêncio,
espero. Quem me ensinou foram os filhos, que bem no começo, mesmo por não
falarem ainda, me ensinaram a observar. E até ontem, quando a mais adolescente
preferiu não conversar, mas depois pediu abraço.
No fundo, bem no fundo...sobre ter mães em suas equipes, (se eles forem realmente bons no que fazem, não estou falando nenhuma novidade) o que eu diria aos meus chefes hoje em dia, tempo em que os palavrões já não me seduzem tanto, é que a maternidade no contexto do mundo do trabalho lhe dá vantagens corporativas das mais variadas e fantásticas possíveis, inclusive quando a gente chega atrasada, mas leva leite morno com açúcar e canela. Então, aproveite!
Maxwellma Castelo Branco.
Ótimo...
ResponderExcluir👏👏👏👏👏👏